L- Carnitina

Uma pequena explicação bioquímica

Para a gordura ser “queimada” ela deve ser dissociada em ácidos graxos e glicerol. O glicerol é metabolizado pela mesma via que a glicose, já os ácidos graxos passam por diversas reações até serem metabolizados nos mitocôndrias. O primeiro passo para “queima” dos ácidos graxos é sua conversão em acil-CoA que deverá penetrar no mitocôndria, porém existe um pequeno problema: a membrana mitocondrial é impermeável a essa substância, o que impede sua entrada espontânea e conseqüente degradação. A Carnitina surge exatamente para solucionar esse impasse, se ligando ao radical acila da acil-CoA e levando-o para dentro do mitocôndria, onde há outra coenzima A (CoA) que o recebe e dá prosseguimento às reações.

Na prática (para perda de gordura)

Traduzindo, a Carnitina é quem realiza o transporte dos derivados da gordura para dentro dos mitocôndrias, onde eles serão oxidados. Ao tomar conhecimento destas reações, alguns entusiastas da indústria farmacêutica apressaram-se em produzir e vender Carnitina, afirmando que sua ingestão aumentaria a degradação de lipídeos e ajudaria a queimar a indesejável gordura localizada. Esses compostos receberam o sugestivo nome de Fat Burners (Queimadores de gordura).

O que parece lógico no raciocínio linear é duvidoso e até certo ponto infantil na sistemática bioquímica. Tendo em visto que o catabolismo do tecido gorduroso possui um grande número de reações, catalizadas por diversas enzimas e reguladas por incontáveis fatores, seria demasiado simplista achar que a Carnitina sozinha influenciaria toda essa cadeia de reações sem que os outros passos fossem alterados. Outro ponto a ser colocado é o fato dos tecidos animais saudáveis já possuírem quantidades mais que suficientes de Carnitina para manter as reações em andamento, não sendo esse o motivo de maior ou menor queima de gordura.

Analisando o uso de carnitina

Para analisarmos a suplementação da carnitina devemos começar da ingestão em si. Em primeiro lugar deve-se ter em mente a enorme distância fisiológica entre a ingestão do suplemento e o aumento de sua concentração nos músculos. É um caminho tão longo e incerto que diversos autores afirmam que a suplementação de carnitina tem pouco efeito em sua concentração muscular (BASS, 2000; BRASS et al, 1994, VUKOVICH et al, 1994; BARNETT et al, 1994). Em condições normais a carnitina exógena é quase toda eliminada pela urina (OHTANI et al, 1984), e o pior de tudo é que esse pouco que porventura venha a cair na circulação, dificilmente entrará no músculo (BRASS, 2000). Além dessas questões fisiológicas, há outras ainda mais obscuras, como a qualidade dos suplementos. Em um estudo de 1993, MILLINGTON et al verificaram que a média de quantidade de carnitina nos suplementos analisados era apenas 52% do escrito nos rótulos!! Ou seja, se tomando a carnitina em si já e difícil que ela chegue no músculo, imagina tomando farinha...

Mesmo que tomássemos a carnitina verdadeira e ela de fato chegasse ao músculo, ainda restaria um pergunta: por que tomar? Considerando que há pouca perda de carnitina (perto de 90% dela é reabsorvida pelos rins), concluiremos que deficiências na quantidade de carnitina são muito raras, sendo vistas apenas em algumas doenças hereditárias incomuns. Por esses e outros fatores não há como afirmarmos nada positivo em relação ao uso de uso de carnitina com fins estéticos.

Na prática para performance

Supôs-se também que a suplementação da carnitina ajudaria na performance das atividades de endurance por aumentar o consumo de gorduras e poupar o glicogênio muscular, porém não há nenhum estudo relacionando a falta de carnitina à fadiga. Além disso, deve-se ter em mente que o mecanismo de fadiga ainda não é totalmente compreendido, e a falta de glicogênio certamente não é o único fator envolvido.

Apesar de estudos de longa duração terem verificado alterações enzimáticas sugestivas, os únicos casos onde se comprovou a melhora na performance de atividades físicas foram em condições patológicas como doenças renais (AHMAD et al, 1991), vasculares (BREVETTI et al, 1988) e síndrome de fadiga crônica (PLIOPLYS et al, 1997).

Concluindo

- Apesar de haver inúmeros estudos sobre o uso de carnitina, não é possível dizer que sua suplementação traz benefícios para pessoas saudáveis, sejam estéticos ou de performance (HEINONEN, 1996; BRASS, 2000).

- O uso de carnitina embasa-se apenas em alguns estudos animais e in vitro (DUBELAAR et al, 1991; BRASS et al, 1993), não havendo possibilidades de extrapolação em humanos.

- As pesquisas feitas usaram doses de até 5 gramas e continuaram sem obter resultados, portanto eu não recomendaria o uso deste aminoácido a menos que você se encontre em uma condição patológica.

Por Paulo Gentil


Referências Bibliográficas

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