Alimentação pulsátil de proteína

Há uma crença que nosso corpo tenha uma capacidade limitada de digerir e aproveitar proteínas, algo em torno de 30 gramas, desta forma a recomendação habitual é que a ingestão diária de proteína seja distribuída em pequenas doses. Este conceito pode parecer certo dentro de um sistema simples e estático, porém as reações fisiológicas do corpo humano são muito mais complexas e dinâmicas, envolvendo diversos ajustes bioquímicos frente à situação na qual o organismo se encontra.


Evidências teóricas
Existe um estado metabólico ideal de funcionamento de nosso organismo, que deve ser mantido para que o sistema funcione. Este equilíbrio, porém, não é estático, pois está constantemente sofrendo alterações que devem ser corrigidas, tal equilíbrio dinâmico recebe o nome de homeostase. E o principal mecanismo de controle da homeostase é o feedback negativo.

Para visualizar o funcionamento do mecanismo de feedback negativo imagine a seguinte situação: uma banheira com vários ralos onde o nível da água deve ser mantido constante. Suponha também que a torneira esteja sempre aberta e a quantidade de água que sai dela não pode ser controlada. Desta forma, a única maneira de controlarmos os níveis de água seria manipular o número de ralos que estariam abertos ou fechados, de acordo com a água que sai da torneira. É mais ou menos desta forma que nosso corpo trabalho controlando a "saída" em função da "entrada".

Se pensarmos nos mecanismos de controle, uma ingestão constante de proteína levaria a um menor aproveitamento, pois o corpo reagiria a esta alteração rotineira com uma maior proteólise. Com base nessas idéias e em alguns estudos, surgiu o conceito da alimentação pulsátil de proteína, que consiste em concentrar a maior parte de ingestão protéica (80%) em uma única refeição.

Evidências científicas
Em estudo publicado por ARNAL et al (1999) foram comparados os efeitos de duas dietas compostas do mesmo número de calorias e com a mesma composição de macronutrientes: 1) concentrando 80% da ingestão protéica em uma única refeição e; 2) distribuindo a ingestão protéica em 4 refeições diárias. De acordo com os resultados, a situação 2 levou à redução na massa magra, enquanto a situação 1 a manteve constante. Além disso, o grupo da alimentação pulsatil obteve melhor relação entre o anabolismo e o catabolismo protéico, com a síntese protéica 10% maior, e o catabolismo 11% menor. (ARNAL et al, 1999).

Logo em seguida, a francesa Marie-Agnès Arnal liderou outro estudo, desta vez a amostra era composta por mulheres jovens. Os grupos seguiram os mesmo padrões alimentares do experimento acima, porém a diferença entre os resultados dos grupos não foi significativa, havendo apenas uma tendência de queda no catabolismo durante a alimentação pulsátil e uma tendência de aumento no anabolismo com a dieta distribuída (ARNAL et al, 2000a). Algumas explicações possíveis para a diferença entre os resultados achados são: 1) a resposta metabólica à refeição é diferente em idosos e jovens e; 2) no primeiro estudo os autores admitem que podem ter subestimado a necessidade calórica, tanto que houve catabolismo na fase de adaptação, ao contrário do estudo feito em jovens, desta forma a alimentação pulsátil pode ser mais eficiente em estados potencialmente catabólicos.

Um outro estudo liderado por ARNAL verificou que os efeitos da alimentação pulsátil de proteína persistem mesmo após o término da dieta, isto funcionaria mais ou menos da seguinte forma: ao perceber a baixa concentração protéica da algumas refeições, seu corpo agiria diminuindo a degradação e provavelmente aumentando o anabolismo protéico, desta forma, no momento da refeição concentrada, seu corpo seria pego desprevenido, com baixa capacidade de degradar as proteínas ingeridas, o que elevaria sua retenção de nitrogênio (ARNAL et al, 2000b).

Além dos estudos de ARNAL, EL-KHOURY et al já haviam demonstrado em 1995 o efeito superior, em termos de metabolismo protéico, de uma dieta com três refeições sobre uma de dez. (EL-KHOURY et al, 1995).

Aplicações práticas
Freqüentemente vemos praticantes de musculação desesperados em obter fontes de proteína, ou fazendo as contas para saber se já está na hora da próxima refeição. Estes estudos mostram que tais preocupações não estão necessariamente de acordo com a fisiologia humana. Como sabemos, a capacidade adaptativa do organismo humano é muito eficiente e atua com extrema rapidez, portanto, a ingestão pulsátil de proteínas, pode servir, pelo menos, para quebrar platôs induzidos pela ingestão habitual de constantes refeições protéicas. Há casos de práticas baseadas nessas premissas em atletas profissionais, como levantadores de peso do leste europeu que periodicamente ficavam um dia em jejum para quebrar um rotina metabólica e, desta forma, potencializar seus ganhos quando voltassem a se alimentar.

Estes estudos podem ter também, importantes aplicações clínicas. Aumentar a ingestão de proteínas além da quantidade habitualmente recomendada (0,8 g/quilo de massa corporal) se mostrou ser uma estratégia eficiente em idosos (VOLPI et al, 1998), porém a ingestão habitualmente elevada de proteínas pode ter efeitos deletérios nas funções renais (ROWE, 1980). Desta foram, além de praticantes de musculação, outros grupos em estados catabólicos também podem aproveitar os efeitos da alimentação pulsátil de proteína, como os idosos.

Por Paulo Gentil


Referências bibliográficas

ARNAL MA, MOSONI L, BOIRIE Y, GACHON P, GENEST M, BAYLE G, GRIZRD, M ARNAL, ANTOINE JM, PRUGNAUD J, BEAUFRERE B, MIRAND PP. Protein turnover modifications induced by the protein feeding pattern still persist after the end of the diets. A J Phyiol Endocrinol Metab 278: E902-E909, 2000b.

ARNAL MA, MOSONI L, BOIRIE Y, HOULIER ML, FMORIN L, VERDIER E, RITZ P, ANTOINE JM, PRUGNAUD J, BEAUFRERE B, MIRAND PP. Protein feeding pattern does not affect protein retention in young women. J Nutr 130:1700-1706, 2000a.

ARNAL MA, MOSONI L, BOIRIE Y, HOULIER ML, FMORIN L, VERDIER E, RITZ P, ANTOINE JM, PRUGNAUD J, BEAUFRERE B, MIRAND PP. Protein pulse feeding improves protein retention in elderly women. Am J clin Nute 1999;69:1202-8.

EL-KHOURY AE, SANCHZ M, FUKAGAWA NK, GLEASON RE, TSAY RH, YOUNG VR. The 24-h kinetcs of leucine oxidation in healthy adults receiving a generous leicine intake via three discrete meals. Am J Clin Nutr 62:579-590, 1995.

ROWE JW. Aging and renal function. Annu Rew Gerontol Geriatr 1980,1:161-79.

VOLPI E, GERRANDO AA, YECKWL CW, TIPTON KD, WOLGE RR. Exogenous amino acids stimulate net muscle protein synthesis in the elderly, J Clin Invest 1998, 101:2000-7

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