Exercício e câimbras

Quase todos nós já nos deparamos com câimbras em algum momento de sua vida. Elas atingem pessoas de todos os níveis de atividades físicas e podem aparecer em situações totalmente diversas, sem nenhum sinal de aviso. Em meio a uma atividade física intensa, de repente, seu músculo começa a se contrair involuntariamente com uma intensidade que chega a ser dolorosa! Outras vezes as câimbras podem surgir de maneira inexplicável, você fica parado, relaxado, em uma determinada posição e seu músculo simplesmente “trava”! Apesar de serem extremamente comuns, as câimbras musculares são um fenômeno altamente mal compreendido.

As câimbras são contrações musculares involuntárias intensas, caracterizada pela ativação de uma grande quantidade de unidades motoras com uma alta freqüência de disparos (Miller & Layzer, 2005). As evidências disponíveis sugerem que as câimbras, têm origem periférica e surgem descargas dos neurônios motores e não do músculo em sí (Miller & Layzer, 2005). A partir da literatura disponível e da observação dos casos concretos, pode-se se dividir as câimbras associadas ao exercício em duas categorias distintas. A primeira é relacionada ao excesso de trabalho e surge em situações de fadiga ou sobrecarga intensa. Na segunda, há um desequilíbrio de líquidos e eletrólitos, de modo que a transpiração elevada aliada à deficiência de eletrólitos pode levar às câimbras, mesmo na ausência de contrações musculares intensas ou de fadiga (Bergeron, 2008).

Segundo a teoria associada à fadiga, a atividade física de alta intensidade e/ou alta duração levaria a alterações no estado excitatório da fibra, com aumento da ativação do fuso muscular (estrutura que estimula as contrações) e inibição do órgão tendinoso de Golgi (responsável por impedir que as ações muito intensas possam provocar lesões), com aumento da atividade dos motoneurônios alfa. Desse modo, os mecanismos responsáveis por inibir contrações musculares intensas são desativados ao mesmo tempo em que os indutores da contração são ativados, gerando contrações involuntárias e de alta intensidade. Normalmente isso ocorre quando o músculo está na posição encurtada, pois nessa posição a despolarização da placa terminal está alterada e a atividade inibitória do órgão tendinoso de Golgi é reduzida (Ruff et al., 1996; Hutton et al., 1986). É importante notar que quando o músculo está em uma posição encurtada, é possível verificar a ocorrência de câimbras mesmo quando não há atividade muscular (Miller & Layzer, 2005).

Nas câimbras induzidas pelo desequilíbrio hidroeletrolítico normalmente há um quadro de sudorese acentuada, com perda considerável de água e eletrólitos, especialmente sódio e cloreto. Apesar de a magnitude associada à câimbra ainda não ser definida, se estima que uma perda de 20-30% do sódio cambiável pode levar a câimbras severas (Bergeron, 2008). Outros eletrólitos, como potássio, magnésio e cálcio, são perdidos me menor escala durante o exercício, no entanto, apesar de haver teóricos que atribuem as câimbras às deficiências desses minerais, os estudos mais recentes afirmam que isso não é verdade, segundo revisão de Bergeron (2008). Para compensar a perda de água e eletrólitos, há movimentação da água entre os diferentes compartimentos e, com isso, o espaço intersticial fica contraído. Como conseqüência da contração do espaço intersticial, algumas junções neuromusculares se tornam hiper excitáveis. A deformação mecânica das estruturas expõe os terminais nervosos desmilienizados e as membranas pós-sinápticas a níveis elevados de substâncias excitatórias (acetilcolina, eletrólitos, metabólitos…). Conforme mais água se move do espaço intersticial para o espaço intravascular, os terminais nervosos e membranas pós-sinapticas adjacentes também são afetadas, fazendo com que as câimbras se espalhem por diversos músculos. Um primeiro sinal dessas câimbras são as pequenas contrações musculares visíveis através da pele, que não chegam a ser perceptíveis quando se está em atividade. Elas podem ser um sinal de que espasmos mais intensos serão iniciados dentro de 20-30 minutos.

Uma diferença nítida entre os dois tipos é que as câimbras geradas pela sobrecarga ou fadiga são localizadas, e se restringem ao músculo exercitado. Essas câimbras normalmente são resolvidas com alongamento, massagem, ação do antagonista, resfriamento da musculatura, etc. Já as câimbras causadas pelo desequilíbrio hidroeletrolítico se propagam para as fibras adjacentes, essas caimbras podem ser evitadas por meio da hidratação correta, com reposição de eletrólitos. Após a ocorrência das câimbras, alongamentos, massagens e aplicação de gelo podem aliviar os sintomas até que os eletrólitos ingeridos cheguem aos devidos locais.

Por Paulo Gentil


Referências
Bergeron MF. Muscle cramps during exercise V is it fatigue or electrolyte deficit? Curr Sports Med 2008 Apr;7(4): S50:S55.
Hutton RS, Nelson DL. Stretch sensitivity of Golgi tendon organs in fatigued gastrocnemius muscle. Med Sci Sports Exerc. 1986 Feb;18(1):69-74.
Miller TM, Layzer RB. Muscle cramps. Muscle Nerve. 2005 Oct;32(4):431-42.
Ruff RL.Effects of length changes on Na+ current amplitude and excitability near and far from the end-plate. Muscle Nerve. 1996 Sep;19(9):1084-92.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Artigos recomendados

  • Diuréticos
    Umas das práticas mais absurdas no mundo do fisiculturismo O uso de diuréticos perto de períodos de competição é muito comum entre fisiculturistas procurando parecer mais definidos. Porém, essa é uma prática extremamente perigosa, que põe a vida de milhares de pessoas a mercê de uma roleta russa fisiológica. O risco do uso de diuréticos é tão elevado que muitas organizações fazem exames para…
  • Procaína
    A procaína foi preparada pela primeira vez em 1905, consistindo-se em um anestésico local muito usado em procedimentos odontológicos, funcionado através do bloqueio da iniciação e condução do impulso nervoso através da diminuição da permeabilidade da membrana do axônio dos neurônios aos canais de íons sódio. Além do efeito anestésico, possui efeito anti-depressivo, devido à inibição da enzima…
  • Macarrão ao molho de iogurte desnatado natural
    Ingredientes -2 xícaras de chá de macarrão (cru) -2 potes de iogurte natural desnatado -1/3 de cebola -3 dentes de alho -salsinha a gosto -oregano a gosto -2 col. sopa de azeite -sal a gosto Preparo: Cozinhe o macarrão seguindo as instruções da embalagem. Apos cozido, coe-o e reserve. Bata o iogurte, cebola, alho, salsinha,oregano, azeite e sal no liquidificador. Após, misture ao macarrão e…
  • Uma introdução e um breve comentário
    Embora o autor possa ser amplamente conhecido no campo de treinamento físico apenas como resultado dos recentes anuncios de desenvolvimentos que são o objetivo desse Boletim, um bom número de leitores, provavelmente reconhecerão o nome em conexão com outro campo - já que, nos últimos quatorze anos, "motion pictures" produzido pelo autor tem sido constante na distribuição em todo o mundo.…
  • Musculação/Treinamento para mulheres
    Muitas vezes somos questionados à respeito de como deve ser o treinamento direcionado para mulheres como se houvesse uma diferença muito significativa em relação ao treinamento aplicado aos homens.Algumas pessoas acreditam que o treino para mulheres deve ser totalmente diferente ou até que não devem de jeito nenhum treinar com pesos, outros acham que isto é um tipo de preconceito pois o treino…
  • Fator de intensidade
    Carga total/ tempo Índice de intensidade: (Carga total)² / tempo Para treinarmos as fibras musculares 2b, essenciais para a hipertrofia, deveremos alcançar a falha positiva entre 6-12 repetições. Ao aplicarmos o fator de intensidade, veremos que ao término de um set, ao se realizar sets subseqüentes, estes somente elevarão o fator de intensidade caso haja aumento de carga na manutenção do…