Este tema implica em uma situação curiosa. Nas últimas décadas, a vivência prática de atletas e técnicos da área da musculação competitiva muito contribuiu para a evolução dos conceitos de alimentação para desportistas. No entanto, esses profissionais são também os que mais criam confusão para quem se propõe a estudar o assunto.
A situação á compreensível. O conhecimento proveniente da vivência prática costuma passar por uma fase de experimentação aleatória, onde diversos procedimentos são experimentados, mesmo os mais absurdos. Com o passar do tempo, apenas as condutas que produzem bons resultados passam a ser consideradas como técnicas produtivas.
Evidentemente que fatores como a sugestão e outras variáveis de confusão não são controladas pelo processo popular de aquisição de conhecimento, mas o grande número de casos parece diluir os fatores de erro das conclusões. Na área especifica da alimentação de musculadores, as conclusões empíricas de atletas e técnicos do passado recente foram, na sua maioria, endossadas por experimentos científicos posteriormente realizados.
O problema que atualmente parece estar acontecendo, pelo menos em nosso meio, é que a atual geração de atletas age como se nada tivesse existido antes. Procedimentos que há vinte anos foram exaustivamente testados, embora empiricamente, e afastados por falta de resultados, estão voltando a ser considerados e novamente experimentados.
Muitas revistas técnicas, talvez por falta de assunto, costumam dar espaço para pessoas desinformadas que divulgam teorias absurdas. Seria ideal que todos que atuam na área da musculação tivessem contato com o conhecimento científico, proposta que a Federação Paulista e a NABBA BRASIL tentam realizar com os seus cursos, mas pelo menos seria desejável que atletas do presente procurassem conhecer o passado técnico da modalidade.
Com base no conhecimento cientifico atual, que justifica plenamente as condutas técnicas padronizadas e às vezes esquecidas, abordaremos a questão da alimentação para os musculadores.
O objetivo básico da alimentação nos meses que antecedem as competições de musculação á conservar a massa muscular anteriormente adquirida e reduzir o tecido adiposo, levando à boa visualização do relevo dos músculos, a "definição". A redução da gordura corporal depende de se ingerir menos calorias do que se gasta, criando o chamado "balanço calórico negativo". Para tanto é necessário reduzir as quantidades de todos os alimentos. Particularmente os alimentos gordurosos devem ser evitados, pelo seu alto conteúdo calórico.
Assim sendo, devem ser evitadas as frituras, a carne gorda, a manteiga, os azeites, o leite integral, os queijos e outros derivados lácteos. O nutriente que menos deve ser reduzido é o carboidrato, para que se possa conservar a massa muscular. Sempre que falta carboidrato na alimentação o organismo mobiliza proteína dos músculos para obter energia. A realização de pelo menos algumas séries pesadas nos exercícios, o treinamento não exaustivo e a ingestão de razoáveis quantidades de carboidratos evita a perda muscular.
Quando a ingestão de carboidratos é baixa, uma alta ingestão protéica não impede a perda muscular. Além disto, a ingestão de proteínas em níveis acima de 2 gramas/quilo de peso corporal/dia, embora necessária na fase de hipertrofia muscular, deve ser evitada na fase de definição devido ao alto conteúdo calórico.
Os alimentos ideais para compor a alimentação de atletas de musculação em fase de definição são arroz, batata cozida, macarrão sem molho, pão sem gordura, frutas, legumes, verduras, claras de ovos, carne vermelha magra, carne branca de peixes e aves, além de leite desnatado ou queijo magro em pequenas quantidades. Do ponto de vista prático, não á importante a contagem de calorias para definir as quantidades de alimentos ingeridos.
O ideal é manter a ingestão protéica um pouco abaixo de 2 gr/kg/dia, e ingerir os alimentos ricos em carboidratos nas maiores quantidades compatíveis com uma lenta perda de peso corporal. Estas quantidades variam de acordo com o metabolismo das pessoas. Aqueles que tendem a serem gordos precisarão comer menos, e os que tendem a serem magros poderão comer mais. O importante é que a perda de peso não seja mais rápida do que 1/2 à 1 kg por semana, para não precipitar a perda de massa muscular.
Para calcular a quantidade de alimentos protéicos é necessário saber que 100 gramas de carne magra branca ou vermelha tem em média 20 gramas de proteínas, uma clara de ovos tem cerca de 4 gramas, um copo grande de leite desnatado tem 7 gramas e cada 100 gramas de queijo fresco contem cerca de 18 gramas de proteína.
O número ideal de refeições ao dia parece ser de quatro à seis, todas com alguma fonte de proteína associada à alguma fonte de carboidratos. Quais os alimentos a serem consumidos em cada refeição é uma questão que deve ficar inteiramente na dependência do paladar de cada pessoa, não interferindo nos resultados da dieta. Um cuidado especial deve ser a ingestão de maior quantidade de carboidratos na refeição seguinte à sessão de treinamento, para favorecer a síntese de glicogênio muscular. A água deve ser ingerida em abundancia durante todo o dia, e o sal utilizado normalmente.
No final da dieta, quando a perda de peso se torna mais difícil, deve-se reduzir a quantidade de proteína para níveis em torno de 1 g/kg/dia ou menos, para levar ao máximo a definição.
Este procedimento dificultaria o ganho de massa muscular caso fosse esse o objetivo do atleta. Deve ser lembrado no entanto, que o que se deseja é reduzir a gordura e apenas manter a massa muscular, e que o nutriente que mantém o músculo é o carboidrato, mesmo com pequena ingestão protéica.
Na semana que antecede as competições a dieta deve ser mantida igual, aproveitando-se a motivação e o entusiasmo para treinar exaustivamente, com maior número de séries e repetições forçadas, para esgotar o glicogênio dos músculos. Nos dois ou três dias anteriores à prova interrompe-se o treinamento e continua-se com a alimentação normal, que já deve contar com razoáveis quantidades de carboidratos e muita água. Isto leva à saturação dos músculos com glicogênio e água, tornando os músculos mais volumosos e vascularizados no dia da competição. Alguns atletas eliminam o sal um ou dois dias antes da prova, quando já não estão treinando. Este procedimento provoca uma migração temporária da água do espaço extracelular para dentro dos músculos, aumentando o volume e a definição.
Com relação aos complementos alimentares, os mais utilizados são as proteínas em altas concentrações e/ou aminoácidos.
Alguns procedimentos da última semana de preparação que NÃO deram cedo para a maioria dos atletas que os experimentaram são:
* Retirar o carboidrato da dieta;
* Retirar o sal por mais do que três dias;
* Não interromper o treinamento;
* Ingerir maior quantidade de alimentos que não estavam presentes na dieta;
* Restringir a água
O uso de diurético, além de proibido para atletas é prejudicial à saúde e contribui para reduzir o volume dos músculos. Os anabolizantes, também proibidos em competições, retém água sob a pele diminuindo a definição. A insulina aumenta a quantidade de gordura na pele e também diminui a definição, além de ser a droga mais perigosa que um atleta possa utilizar, dividindo com os diuréticos e os termogênicos os mais altos índices de risco para a saúde.
As gramas de proteínas ou aminoácidos ingeridas nos complementos devem ser consideradas nos cálculos da quantidade diária de proteína. Os produtos que associam proteínas e carboidratos com mínimas quantidades de gordura também podem ser utilizados em dieta para definição, sendo excelentes para lanches entre refeições. Alguns desses produtos são chamados de "hipercalóricos" apenas por um artifício de marketing. Os chamados "fat-burners" são produtos designados para favorecer a redução da gordura corporal e por isto às vezes utilizados por atletas. Não existem evidências científicas que apóiem a sua utilização.
Por DR. JOSÉ MARIA SANTARÉM
- Doutor em medicina, fisiatra e reumatologista.
- Coordenador do CECAFI - Centro de Estudos em Ciências da Atividade Física, da Disciplina de Geriatria da Faculdade de Medicina da USP.
- Coordenador do Curso de Especialização em Fisiologia do Exercício e Treinamento Resistido na Saúde, na Doença e no Envelhecimento da Disciplina de Geriatria da Faculdade de Medicina da USP.
- Coordenador do Ambulatório de Atividade Física da Disciplina de Geriatria da FMUSP.
- Coordenador dos projetos de pesquisa do CECAFI.
- Diretor do Centro de Estudos HC-FMUSP de Medicina Esportiva.
- Responsável pelos Cursos para Formação de Técnicos em Treinamento com Pesos da Federação Paulista e Confederação Brasileira de Musculação.
- Professor de Cursos de Musculação e Medicina do Exercício em universidades, congressos e convenções, no Brasil e no exterior.
- Diretor e autor dos projetos dos aparelhos para exercícios resistidos da empresa Biodelta Atividade Física Ltda.
MUITO BOM! OBRIGADO!
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Bastante esclarecedor e conteúdo inteligível.
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