A Influência da Cafeína no Treinamento - mecanismos propostos para a ação ergogênica

A cafeína, uma possível exceção à regra geral contra a ingestão de estimulantes, continua sendo uma droga controlada/restringida nas competições atléticas. A cafeína pertence ao grupo de compostos denominados metilxantinas, encontrados naturalmente nos grãos de café, nas folhas de chá, no chocolate, nos grãos de cacau e nas nozes da cola, sendo acrescentada frequentemente às bebidas efervescentes e aos remédios vendidos sem prescrição médica (McArdle & Katch, 2002).

Dependendo do preparo, uma xícara de café fervido contém entre 60 e 150 mg de cafeína. Como elemento de referência, 2,5 xícaras de café coado contém 250 a 400 mg, ou geralmente entre 3 e 6 mg por kg de massa (peso) corporal.

A absorção da cafeína pelo intestino delgado se processa rapidamente, alcançando concentrações plasmáticas máximas entre 30 e 120 minutos, após a ingestão, para exercer sua influência sobre os sistemas nervoso, cardiovascular e muscular. A meia-vida metabólica da cafeína, de 3 horas, significa que é eliminada pelo corpo com bastante rapidez, certamente após uma noite de sono (Cohen et al 1996).

Efeitos da Cafeína no Desempenho Esportivo

Nem todos os estudos confirmam benefícios ergogênicos da cafeína. Entretanto, já foi demonstrado que a ingestão de 2,5 xícaras de café coado, a 1 hora antes do exercício, amplia muito a capacidade de resistência no exercício moderadamente extenuante. Os indivíduos que haviam bebido cafeína se exercitavam por uma média de 90,2 minutos, em comparação com 75,5 minutos durante 1 sessão de exercícios sem cafeína.

Apesar de terem sido observados valores semelhantes para frequência cardíaca e captação de oxigênio durante os dois ensaios, a cafeína fazia com que o trabalho parecesse mais fácil.

Em concordância com seus efeitos estimulantes (característica dos compostos a que a cafeína faz parte – as metilxantinas), foi comprovado que a cafeína proporciona também um benefício ergogênico durante os desempenhos máximos de natação completados em menos de 35 minutos. Em um estudo experimental duplo-cego, sete homens e quatro mulheres nadadores experientes de longa distância (<25 min para 1.500m), consumiram cafeína 2,5 horas antes de nadarem 1.500m. O tempo total de natação foi em média 1,9% menor com cafeína do que sem cafeína (20min 58 segundos vs 21min 21 segundos).

Uma concentração plasmática mais baixa de potássio antes do exercício e níveis sanguíneos mais altos de glicose no final do ensaio acompanhavam o desempenho com cafeína. Isso sugeriu que o equilíbrio eletrolítico e a disponibilidade de glicose podem ser fatores-chave no efeito ergogênico da cafeína (McArdle & Katch, 2002).

A Cafeína e o Metabolismo Energético durante o Exercício

A cafeína afeta quase todos os sistemas do organismo, sendo que seus efeitos mais óbvios ocorrem no sistema nervoso central (SNC). Quando consumida em baixas dosagens (2mg/kg), a cafeína provoca aumento do estado de vigília, diminuição da sonolência, alívio da fadiga, aumento da respiração e da liberação de catecolaminas, aumento da freqüência cardíaca, aumento no metabolismo e diurese. Em altas dosagens (15mg/kg) causa nervosismo, insônia, tremores e desidratação.

Segundo Spriet (1995), existem pelo menos três teorias que podem tentar explicar o efeito ergogênico da cafeína durante o exercício físico. A primeira envolve o efeito direto da cafeína em alguma porção do sistema nervoso central, afetando a percepção subjetiva de esforço e/ ou a propagação dos sinais neurais entre o cérebro e a junção neuromuscular.

A segunda teoria pressupõe o efeito direto da cafeína sobre co-produtos do músculo esquelético. As possibilidades incluem: alteração de íons, particularmente sódio e potássio; inibição da fosfodiesterase (PDE), possibilitando um aumento na concentração de adenosina monofosfato cíclica (AMPc); efeito direto sobre a regulação metabólica de enzimas semelhantes às fosforilases (PHOS); e aumento na mobilização de cálcio através do retículo sarcoplasmático, o qual contribui para o potencialização da contração muscular (Spriet, 1995).

A terceira teoria diz respeito ao aumento na oxidação das gorduras e redução na oxidação de carboidratos (CHO). Acredita-se que a cafeína gera um aumento na mobilização dos ácidos graxos livres dos tecidos e/ou nos estoques intramusculares, aumentando a oxidação da gordura muscular e reduzindo a oxidação de CHO (Sinclair, et al 2000).

Muitos estudos sugerem que a cafeína é um poderoso agente modulador do desempenho atlético, que pode ser adaptável aos diferentes tipos de estímulos envolvidos nos mais diversos tipos de exercícios. Atualmente, pesquisadores têm nos demonstrado que a ingestão de 3 a 6 mg de cafeína por kg (massa corporal), melhora a performance em atletas, sem que sejam detectados casos positivos no exame antidoping.

Pesquisas recentes têm apontado um aumento da força muscular acompanhado de uma maior resistência à instalação do processo de fadiga muscular após a ingestão de cafeína. Ainda não está totalmente esclarecido qual o mecanismo de ação responsável pelo aumento da força muscular; todavia, acredita-se que isso ocorra em maior intensidade muito mais pela ação direta da cafeína no SNC do que pela sua ação em nível periférico (Kalmar & Cafarelli, 1999).

Isto sugere que a cafeína exerce um efeito ergogênico direto e específico sobre o músculo esquelético durante a estimulação repetitiva de baixa frequência. A cafeína poderia também influenciar a sensibilidade das miofibrilas ao Ca++ (McArdle & Katch, 2002).

Em relação aos exercícios de intensidades máximas e extenuantes de curta duração, boa parte dos estudos demonstra que a ingestão de cafeína pode melhorar significativamente o desempenho e a performance nas práticas de até 5 minutos.

O mesmo não se pode dizer com relação a tais exercícios quando precedidos por exercícios submáximos prolongados, quando o desempenho físico parece não sofrer qualquer alteração (Spriet, 1995).

Nos exercícios físicos prolongados, alguns estudos apontam que o uso da cafeína otimiza funcionamento do metabolismo energético durante o esforço o que, por conseqüência, contribui para a melhora da performance.

Entretanto, uma explicação precisa para o efeito de aprimoramento do exercício por parte da cafeína continua sendo enganosa. Com toda probabilidade, o efeito ergogênico da cafeína (e de outros componentes correlatos tipo metilxantina) no exercício de endurance de alta intensidade resulta da utilização facilitada da gordura como combustível para o exercício.

Além disso, o suposto efeito diurético provocado pelo uso dessa substância, acarretando aumento no volume de urina, e portanto uma maior perda hídrica durante o esforço, não tem sido confirmado na prática. Segundo Wemple et al (1994) o comprometimento do estado de hidratação corporal parece estar relacionado somente ao emprego de mega-doses desta substância.

Concluindo

Grande parte dos estudos que envolvem a utilização de cafeína, associada ao exercício físico, sugerem resultados que apontam esta substância como um poderoso estimulante para o trabalho físico. Atletas que comumente realizam atividades que envolvem resistência, força e trabalho muscular em intensidades máximas, podem, de alguma forma, se beneficiar da ingestão de cafeína. Contudo, vale a pena citar que alguns fatores, como a dosagem, o estado nutricional, e a sensibilidade do organismo às metilxantinas, podem afetar significativamente os resultados.


Por Matheus Uba ChupelPor Matheus Uba Chupel (matheusuba@hotmail.com)
Graduado em Educação Física - Universidade do Contestado - Mafra/SC - 2007
Pós-Graduado em Fisiologia do Exercício Aplicado à Saúde - Universidade do Vale do Iguaçu - União da Vitória/PR - 2008
Pós-Graduado em Fisiologia do Treinamento Desportivo - Universidade do Vale do Iguaçu - União da Vitória/PR - 2008
Avaliador Físico e Professor de Educação Física - Três Barras/SC



Referencial

- Cohen , B.S., et al. Effects of caffeine ingestion on endurance racing in heat and humidity. European Journal Appl. Physiology. 73:358, 1996

- McArdle W. Katch F. Katch V. Fundamentos de Fisiologia do Exercício. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2002

- Conlee, R.K. Amphetamine, caffeine and cocaine. Em: D.R. Lamb, M.H. Williams. Ergogenics: Enhancement of Performance in Exercise and Sport. New York, Benchmark Press, 1991 p. 285-310

- Spriet, L.L. Caffeine and performance. International Journal of Sports Nutrition. 5:84-99, 1995

- Sinclair, C.J.D. & Geiger, J.D. Caffeine use in sport: a pharmacological review. J. Sports Med. Phys. Fitness, 40: 71-79, 2000

- Kalmar, J.M. & Cafarelli, E. Effects of caffeine on neuromuscular function. J. Appl. Physiol., 87: 801- 808, 1999

- Wemple, R.D.; Lamb, D.R.; Bronstein, A.C. Caffeine ingested in a fluid replacement beverage during prolonged exercise does not cause diuresis. Medical Science of. Sports Exercise, 26: S204, 1994

Um comentário:

  1. Só mais um comentário...

    Durante o exercício submáximo a cafeína parece reduzir a percepção à dor, retardando o processo de fadiga (GLIOTTONI et al., 2009; O'CONNOR et al., 2004). Alguns estudos atribuem a manutenção da força durante o exercício devido à redução da percepção de dor, provocando modificações a nível central e, consequentemente, a nível periférico. Sendo assim, os estudos mais recentes argumentam que o efeito da cafeína se dá devido ao bloqueio dos receptores de adenosina contrariando estudos mais antigos (FREDHOLM et al., 2005; FREDHOLM; CUNHA; SVENNINGSSON, 2003; GRAHAM et al., 2008). Dentre os efeitos muito difundidos sobre a cafeína está na sua ação poupadora de glicogênio devido à mobilização ácidos graxos livres do tecido adiposo (COSTILL; DALSKY; FINK, 1978). Contudo, outros estudiosos afirmam que NÃO HÁ EVIDÊNCIAS DE QUE A CAFEÍNA ATUE COMO POUPADORA DE GLICOGÊNIO MUSCULAR OU AUMENTE A OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS. Embora a cafeína mobilize ácidos graxos livres do tecido adiposo através do bloqueio seletivo dos receptores A1 não há base científica de que a cafeína exerça ação sobre o metabolismo dos ácidos graxos e carboidratos, uma vez que, as concentrações de glicogênio muscular, glicose 6 fosfato (G-6-P), acetil – CoA e citrato não apresentam diferenças significativas entre grupos exercitados com e sem o uso de cafeína. Curiosamente, esta metil-xantina aumentou a concentração de AMPc durante o exercício (70-85% do VO2máx) o que se explica pelo antagonismo aos receptores A1 do músculo esquelético (GRAHAM et al., 2008).

    Na minha opinião a cafeína deve ser usada apenas antes de competições de endurance nas quais tem sua ação comprovada na performance destas provas, elas satura receptores de Adenosina criando uma especie de multiplicação destes, os quais são responsáveis pela sensação de cansaço, atenção, etc.. Ou seja, com o tempo doses maiores de cafeínas podem ser necessárias, e o tempo de dessaturação destes receptores é de aproximadamente 7 dias.

    Com relação ao uso diário de cafeína eu não recomendo, só quando for necessário mesmo.

    Juliano Marchi
    Mestre em Bioquimica Toxicológica/ UFSM, RS

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