Creatina

A creatina é um peptídeo composto pelos aminoácidos Glicina, Arginina e Metionina, podendo ser sintetizada pelo corpo através destes componentes ou ser obtida através da ingestão, principalmente de carnes vermelhas e peixes em quantidades de aproximadamente 5 g/Kg destes alimentos. Após a absorção, a creatina pode ser armazenada nos músculos em forma de fosfato de creatina ou como creatina livre.

A creatina e a fosfocreatina participam de uma reação reversível de fornecimento de energia ajudando a regenerar o tri-fosfato de adenosina (ATP) nas reações em que ocorre sua rápida degradação e se exige rápida ressíntese, como corridas curtas (sprints) e séries pesadas de musculação. Como a diminuição das quantidades de ATP, causada pela dificuldade em manter uma relação viável entre ADP/ATP, tem sido aceita como uma das causas da fadiga em situações de esforço máximo e sub-máximo de curta duração, supõe-se que a creatina possa ajudar na perfomance de tais atividades.

Existem suposições de que a descoberta da creatina como recurso ergogênico tenha ocorrido na Rússia quando nadadores ingeriam sua urina, recolhida logo após despertar. Parece que os atletas obtiveram resultados positivos realizando esta "suplementação" antes do treino e decidiu-se investigar uma maneira mais higiênica de usá-la.

Alguns estudos sobre creatina
A creatina é provavelmente o suplemento alimentar mais pesquisado e conhecido da história, existem milhares de experimentos comprovando seus efeitos positivos sem que sejam verificados efeitos colaterais, portanto serão citados apenas alguns. Apesar de tentativas incompreensivelmente infantis e suspeitas de relacionar este peptídeo com o câncer nenhum deles foi levado a sério pela comunidade científica, na verdade existem alguns estudos sugerindo um efeito da creatina no combate ao câncer (JEONG et al, 2000; KRISTENSEN et al, 1999; SCHIFFENBAUER et al, 1996; ARA et al, 1998 e MILLER et al, 1993). Talvez a base disso esteja em uma suposição de que cozinhar alimentos contendo creatina produza mutagênicos deste peptídeo que se comprovaram carcinogênicos em alguns animais (ver Creatina X cancer).

Apesar de estudos, como o de MUJICA et al (1996), questionarem a eficácia da creatina, há várias pesquisas comprovando o contrário (KAMBER et al, 1999, KREIDER, 1998; MIHIC et al, 2000; VOLEK, 1996), sendo, considerado um dos suplementos mais eficientes e seguros da atualidade.

A dose usada na maioria dos estudos, e que tem se mostrado eficiente no aumento da reserva total de Creatina e de Fosfato de Creatina, varia geralmente em torno de 15 a 25 gramas por dia (KAMBER, 1999; KREIDER, 1998; HULTMAN, 1996). Esta suplementação tem resultado, a curto e longo prazo, em aumento da força e velocidade.

KAMBER (1999) encontrou melhora na performance em indivíduos realizando 10 minutos de treino intervalado em uma bicicleta, alternando 6 segundos de sprint com 20 de velocidade moderada, interessante ressaltar que as melhoras foram maiores nos sprints finais do treino. Os resultados revelaram também menor concentração de lactato e um significativo aumento no peso. KREIDER et al (1998) encontraram resultados parecidos utilizando o mesmo protocolo de exercício intervalado e acrescentando testes no supino e agachamento.

É interessante ressaltar que diversos autores relataram a ausência de efeitos tóxicos no fígado, rins e sangue (PAÚS e col., 1998, KREIDER, 1998; KAMBER et al, 1999, MIHIC et al, 2000), contrariando a suposição de que a suplementação de creatina poderia levar a sobrecarga de tais órgãos devido ao possível aumento da densidade sangüínea, causada pela retenção hídrica intramuscular originada pela passagem de água do sangue para o músculo acompanhando a entrada de creatina.

O aumento da quantidade de água no espaço intracelular realmente foi verificado por ZIEGENFUSS et al (1998), nesta pesquisa os autores verificaram a origem do ganho agudo de peso com a suplementação de creatina. O resultado do experimento (0,35 g de CM por Kg de Massa Corporal Magra): aumento, em média, de 2% no volume total de água no corpo, de 3% no volume intracelular de água, e nenhuma alteração significativa no volume extracelular, isto em três dias. Nesta pesquisa o aumento da quantidade de creatina no músculo foi, em média, de 30%.

Porém não se deve esquecer a teoria de que ao se encher a célula, pode ocorrer uma dilatação do tecido conjuntivo (bag stretching), o que proporciona mais facilidade para o crescimento da fibra muscular (HÄUSSINGER, 1990 E 1993; MILLWARD, 1995). Outra teoria que pode agradar os defensores da creatina seria embasada no fato haver uma relação constante entre o tamanho da fibra e sua quantidade de núcleos.

Melhor maneira de ingerir
Ainda há dúvidas de como ocorre o transporte de Creatina para o meio intracelular e se este mecanismo pode ser afetado pelo uso contínuo deste peptídeo. O artigo de GUERRERO-ONTIVEROS (1998), esclareceu alguns pontos ao introduzir a proteína transportadora denominada Crea-T, responsável pela absorção celular da creatina. Neste artigo o autor se refere ao mecanismo de feedback negativo causado pela ingestão crônica de creatina em ratos, o que pode levar a diminuição de sua absorção. Fato também verificado por BOEHM et al (2003) que verificaram que a saturação de creatina leva a queda de mais 1/3 da quantidade de CreaT presente na membrana.

Supõe-se que a absorção de creatina seja otimizada pela ingestão de carboidratos, para verificar esta hipótese GREEN et al (1996) realizaram um estudo com amostra de 24 homens que se submetiam aos testes (biópsias nos músculos, amostras de sangue e urina) antes e depois da ingestão de 5 gramas de creatina (grupo A) ou 5 gramas de creatina seguidas por 93 gramas de carboidratos (grupo B); as ingestões eram feitas 4 vezes por dia, durante 5 dias. Em ambos os grupos houve aumento de fosfocreatina, creatina livre e quantidade total de creatina, porém no grupo B a quantidade total de creatina foi 60% maior que no grupo A. No grupo B houve também diminuição da quantidade de creatina excretada pela urina. A creatina ingerida sem o carboidrato, não causou alterações nos níveis de insulina ao contrário da ingestão com carboidratos, o que sugeriu uma mediação deste hormônio no processo de absorção de creatina, estimulando os transportadores Crea-T de maneira similar a que acontece com o GLUT-4.

Conclusões
A suplementação de creatina pode aumentar a performance em exercícios de alta intensidade e curta duração assim como em exercícios intervalados de intensidade elevada. a menos concentração de lactato nos grupos que ingeriram creatina pode ser causada pelo aumento do tempo em que é possível trabalhar utilizando-se a via metabólica anaeróbia alática. Esta capacidade também pode melhorar a performance por ajudar na recuperação entre os estímulos.

Traduzindo para os praticantes de musculação: a creatina pode aumentar sua massa magra pela inevitável retenção hídrica, que acontece com o aumento da concentração deste peptídeo no espaço intracelular, porém este efeito é em grande parte transitório.

Uma vez que o uso de creatina não interfere na síntese protéica (LOUIS et al, 2003), a atuação da creatina também parece ser indireta, até porque sua capacidade de treino aumentaria, até mesmo por fatores psicológicos, o que induziria adaptações mais positivas. Porém a creatina parece favorecer principalmente as fibras rápidas (glicolíticas, ou tipo II) como sugere CASEY (1996), sendo assim pessoas com predominâncias destas fibras e/ou que treinam mais intensamente teriam os melhores resultados.

Como não se comprovou a ocorrência de efeitos colaterais (exceto o aumento ponderal e retenção hídrica que pode prejudicar alguns atletas) e diversas pesquisas comprovaram sua eficiência, a creatina pode ser usada por atletas com o objetivo de melhorar a performance em atividades físicas intensas como a musculação. Vale ressaltar que uma medida essencial a ser tomada pelos usuários de creatina é uma ingestão de água maior que a normal, para evitar que possa ocorrer sobrecarga nos rins, principalmente.

Por Paulo Gentil


Referências bibliográficas
ARA G, GRAVELIN LM, KADDURAH-DAOUK R, TEICHER BA Antitumor activity of creatine analogs produced by alterations in pancreatic hormones and glucose metabolism. In Vivo 1998 Mar-Apr;12(2):223-31
BOEHM E, CHAN S, MONFARED M, WALLIMANN T, CLARKE K, AND NEUBAUER S. Creatine transporter activity and content in the rat heart supplemented by and depleted of creatine. Am J Physiol Endocrinol Metab 284: E399-E406, 2003
GRAHAM, A. S; HATTOM, S. C. Creatine a Review of Effcacy and Safety. Journal of the American Phamaceutical Association, 36(6), 1999.
GREEN A.L., E. SIMPSON, J. LITTLEWOOD, I. Macdonald, and P. GREENHAFF. Carbohydrate ingestion augments creatine retention during creatine feedings in humans. Acta Physiol Scand 1996;158:195-202
GREENHAFF, P.L. Creatine and Its Application as Ergegenic Aid. Int. Jour. Of Sport Nut. 5 S., 100-109, 1995.
GUERRERO-ONTIVEROS, M.L. et. Al. Creatine Suplementation in health and disease. Effects of chronic creatine ingestion in vivo: Down-regulation of the expression of creatine transporter isoforms in skeletal muscle. Mol. And Cell. Biochem. 184: 427-437, 1998.
HÄUSSINGER, D et al., "Cell Swelling Inhibits Proteolysis in Perfused Rat Liver," Biochem. J. 272.1 (1990) : 239-242.
HÄUSSINGER, D; et al., "Cellular Hydration State: An Important Determinant of Protein Catabolism in Health and Disease," Lancet 341.8856 (1993) : 1330-1332.
HULTMAN E; SÖDERLUND K; TIMMONS JA; CEDERBLAD G; GREENHAFF PL Muscle creatine loading in men. J Appl Physiol, 1996 Jul, 81:1, 232-7
JEONG KS, PARK SJ, LEE CS, KIM TW, KIM SH, RYU SY, WILLIAMS BH, VEECH RL, LEE YS. Effects of cyclocreatine in rat hepatocarcinogenesis model. Anticancer Res 2000 May-Jun;20(3A):1627-33
KAMBER, M, et al. Creatine supplementation - part 1: performance, clinical chemistry and muscle volume. Medicine & Science in Sports & Exercice, December, 1999.
KREIDER, R.B. Creatine supplementation: Analysis of ergogenic value, medical safety, and concerns. JEPonline Vol. 1, No. 1, 1998
KRISTENSEN CA, ASKENASY N, JAIN RK, KORETSKY AP. Creatine and cyclocreatine treatment of human colon adenocarcinoma xenografts: 31P and 1H magnetic resonance spectroscopic studies. Br J Cancer 1999 Jan;79(2):278-85
LOUIS M, POORTMANS JR, FRANCAUX M, HULTMAN E, BERRÉ J, BOISSEAU N, YOUNG VR, SMITH K, MEIER-AUGENSTEIN W, BABRAJ JA, WADDELL T, & RENNIE MJ. Creatine supplementation has no effect on human muscle protein turnover at rest in the postabsorptive or fed states. Am J Physiol Endocrinol Metab 284: E764-E770, 2003. First published December 10, 2002
McARDLE, W.D et al. Fisiologia do Exercício: Nutrição, Atividade física e Performance. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991
MIHIC S; MACDONALD JR; MCKENZIE S; TARNOPOLSKY MA. Acute creatine loading increases fat-free mass, but does not affect blood pressure, plasma creatinine, or CK activity in men and women. Med Sci Sports Exerc, 2000 Feb, 32:2, 291-6
MILLER EE, EVANS AE, COHN M. Inhibition of rate of tumor growth by creatine and cyclocreatine.Proc Natl Acad Sci U S A 1993 Apr 15;90(8):3304-8
MILLWARD, D.J., "A Protein-Stat Mechanism for Regulation of Growth and Maintenance of the Lean Body Mass," Nutr. Res. Rev. 8 (1995) : 93-120.
MOJICA, I e col. Creatine Suplementation does not improve sprint performance in competitive swimmers. Medicine and Science in Sports & Exercice, November, 1996.
MOSS, F.P.; "The Relationship Between the Dimension of the Fibers and the Number of Nuclei During Normal Growth of Skeletal Muscle in the Domestic Fowl," Am. J. Anat. 122 (1968) :
PAÚS, V.et al. Administracion de Creatina Monohidrato en co suplemento energético en Jogadores de Futból Professional. Ass. de Traum. Del Desporte, 9, 1998.
POORTMANS, J.R. at. Al. Long-term oral creatine supplementation does not impair renal function in healthy athletes. Medicine & Science in Sport & Exercise, 1108-1110, 1999.
SCHIFFENBAUER YS, MEIR G, COHN M, NEEMAN M. Cyclocreatine transport and cytotoxicity in rat glioma and human ovarian carcinoma cells: 31P-NMR spectroscopy. Am J Physiol 1996 Jan;270(1 Pt 1):C160-9
STONE, M.H. et. al. Effects of in-season (5 weeks) Creatine and Pyruvate Supplementation on Anaerobic Performance and Body Composition in American Football Players. Int. Journal of Sport. Nut. 9, 146-165, 1999.
URBANSKI, R.L. et. Al. Creatine Supplementation Differentially Affects Maximal Isometric Strength and Time to Fatigue in Large and Small Muscle Groups. Int. Journal of Sport Nut. 9, 136-145, 1999.
VANDEBUERIE F; e col. Effect of creatine loading on endurance capacity and sprint power in cyclists. Int J Sports Med, 1998 Oct, 19:7, 490-5
VANDENBERGHE K; GORIS M; VAN HECKE P; VAN LEEMPUTTE M; VANGERVEN L; HESPEL P Long-term creatine intake is beneficial to muscle performance during resistance training. J Appl Physiol, 1997 Dec, 83:6, 2055-63
VOLEK, J.S. et. Al. Performance and muscle fiber adaptations to creatine supplementation and heavy resistance training. Med. & Scie. In Sport & Exerc. 1147-1156, 1999.
VOLEK, J.S., KRAMER W.J. Creatine supplementation: It's effects on human muscular performance and body composition, Jounal of Strenght and Condition Research, 1996
WYSS, M. et. Al. I-4 Creatine metabolism and the consequences of creatine depletion in muscle. Mol. And Cellu. Biochem. 133/134:51-66, 1994
ZIEGENFUSS, T. N., LOWERY L. M., & LEMON, P. W.R.. Acute fluid volume changes in men during three days of creatine supplementation. JEPonlineVol 1 No 3 1998.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Artigos recomendados