Destreino

Períodos de interrupção de treinamento, ou mesmo redução na freqüência, são fatos comuns para praticantes de atividade física, sejam em nível recreacional ou em alto rendimento. Para atletas, o período de destreino pode ser usado como uma estratégia interessante de forma a possibilitar uma recuperação devido a grandes períodos de stress ao que o organismo foi submetido. Diversos são os motivos que podem ocasionar estas interrupções: desgaste físico e psicológico, lesões, falta de tempo, fase de preparação, entre outros. Este processo, seja de maneira planejada ou não, pode, dependendo da magnitude, levar a perda de grande parte do trabalho realizado e comprometer uma futura recuperação dos ganhos obtidos. Este processo é chamado de destreino.

Fleck e Kraemer 1999, definem destreino como “um estado de perda do condicionamento adquirido através de um programa de treinamento planejado, seja pela interrupção das atividades ou mesmo pela diminuição das mesmas”. Para Mujica et al. 2001, destreino é a perda parcial ou completa das adaptações induzidas pelo treino, em resposta a estímulos insuficientes. Mas o quanto se perde dos valores adquiridos durante o período de treinamento? O artigo buscará elucidar fatores que influenciam diretamente no destreino como a magnitude da resposta ao período de inatividade.

Gentil (2008), descreve a base do principio da adaptação, como uma tentativa de ajuste do organismo a um estímulo externo que o afasta do equilíbrio. Como adaptações que levam ao ganho de força podem ser citadas as adaptações neurais, como coordenação intramuscular, intermuscular, distorções na execução bilateral, co-ativação, excitabilidade de neurônios entre outros (Aagaard P. 2003, Enoka, 1997, Kraemer et al., 1996) assim como alterações morfológicas, como o ganho de massa muscular, que contribuíram com o acréscimo na força muscular nas fases mais adiantadas de treinos (Moritani T., 1979).

Segundo Fleck e Kraemer 1999, a velocidade de perda da força depende da extensão do período de treinamento anterior ao destreino, intensidade do treinamento e tipo de teste de força muscular utilizado. Diversos são os autores que não verificaram perdas de força com períodos curtos de interrupção de treinamento. Sforzo et al., mostraram que a interrupção do no período treinamento em idosos, não acarretou em perda de força após um período de 5 semanas de destreino. Kraemer et al. 2002, verificaram perdas não significativas na força de membros inferiores e superiores para praticantes de treinamento de força submetidos a seis semanas de destreino, havendo somente diferenças para potência.

Em um trabalho interessante, Hakkinen et al. (1995) verificaram os efeitos do destreinamento durante curtos (3 semanas) e longos períodos (24 semanas) de interrupção do treino, com jovens e idosos não praticantes de atividades físicas, submetidos a treinamento de força e explosão. Durante o período de 3 semanas de destreino somente a força isométrica máxima apresentou diminuições significativas. Após o período de 24 semanas foram verificadas diferenças significativas em todas variáveis estudas, com exceção do teste do salto vertical que permaneceu com valores próximos aos do pós treino.

Para verificar a influência da intensidade de treinamento Harris et al. (2007), submeteram indivíduos idosos não treinados a um treinamento com peso, durante 18 semanas, 2 x por semana com três protocolos de treinamento distintos: 2 x 15 RM, 3 x 9 RM e 4 x 6 RM, com subseqüentes 20 semanas de destreino. Foram avaliadas as capacidades físicas força e potência muscular na 6ª semana e na 20ª semana de destreino. A potência muscular caiu acentuadamente nas primeiras semanas tendo a força se mantido acima dos valores pré-treino.

A queda da potência em curto prazo, observada na maior parte dos estudos, supostamente está diretamente relacionada à rápida perda de eficiência neural, que apresenta queda acentuada já nas primeiras semanas de destreino. Kalapotharakos et al. 2007, treinaram um grupo de idosos moderadamente ativos com baixa intensidade (60% de 1 RM), 3 vezes por semana durante doze semanas. Houve uma interrupção de 6 semanas. O curto período de treinamento associado à intensidade moderada resultou em perda de força e potência, porém esses valores permaneceram acima dos valores pré treino para capacidade força.

Em outro trabalho que verificou a influencia da intensidade na perda de força, Fatouros et al., submeteram idosos a dois protocolos de treinamento diferenciados durante 24 meses. O grupo de baixa intensidade exercitou-se a 55% de 1RM com 14 – 16 reps. O grupo de alta intensidade a 82% de 1RM com 6 - 8RM. Ambos os grupos foram avaliados em 4, 8 e 12 meses após a última sessão de treinamento, com os indivíduos retornando as atividades cotidianas, sem nenhum tipo de treinamento. O destreinamento levou à perda de força em ambos os grupos nos três momentos. Porém, para o grupo submetido ao treinamento de alta intensidade os valores ficaram significativamente superiores ao pré-treino até o momento da última medição, fato não observado no grupo submetido ao treinamento de baixa intensidade.

Para atenuar as perdas de força adquiridas após períodos de treinamento alguns autores sugerem como uma forma eficiente de manutenção da força com uma pequena redução no volume de treinamento. Graves et al. 1998, realizaram um estudo treinando de força de alta intensidade em homens e mulheres durante 10 e 18 semanas respectivamente. Os grupos foram divididos em dois, sendo que o primeiro grupo treinava 3 vezes e o segundo grupo 2 vezes por semana. Ambos foram submetidos a 12 semanas de destreino com redução na freqüência ou interrupção completa. No protocolo de redução de treinamento os indivíduos que treinavam 3 vezes por semana diminuíram a freqüência para 2 vezes e os de 2 para 1 treino na semana. Para o grupo que interrompeu o treinamento completamente os valores da força isométrica permaneceram 32% superiores ao pré treino após 12 semanas. Para os sujeitos que reduziram o volume de treinamento às diferenças não foram significativas.

Em concordância, Izquierdo et al. (2007), verificaram os efeitos de quatro semanas de interrupção do treinamento ou da redução no volume de treino após 16 semanas de treinamento de força de alta intensidade, em atletas praticantes de Basque ball. Durante o período de treinamento, os indivíduos treinavam duas vezes por semana séries para grandes grupamentos musculares, periodizado, com variação no volume durante as 16 semanas. O grupo que interrompeu o treinamento completamente obteve pequenas reduções de força e grandes perdas na potência muscular, fato esse não observado no grupo que manteve uma quantidade reduzida de treinamento durante o período de destreino. Um dado que chamou atenção no estudo, foi que a avaliação da força, no grupo que realizou o treinamento reduzido, obteve aumento, ainda que não significativas na força, até a 4ª semana.

Com relação à composição corporal, Andersen et al. 2005, realizaram um experimento que envolvia o treinamento de força em diferentes velocidades (30° e 240°/s) para membros inferiores durante 3 meses, seguidos de 3 meses de destreino. Foi verificado um aumento de 10% na secção transversa do quadríceps através de ressonância magnética, voltando aos valores pré treino depois do período de destreino. Neste mesmo estudo, observou-se a diminuição do percentual de fibras do tipo IIb (aproximadamente 5%) enquanto o houve um aumento de fibras do tipo para IIa por volta de 5,5% logo após o período de treinamento. Após o período de três meses de destreino as características das fibras voltaram às configurações originais.

Em conclusão, curtos períodos de destreino (inferiores a três semanas) promovem pequenas perdas na força muscular, mas podem gerar quedas nos níveis de potência. Para períodos superiores as quedas se mostram mais expressivas. Estratégias como a de redução do volume de treinamento pode influenciar positivamente para diminuição da magnitude da perda ou até mesmo a manutenção dos níveis obtidos com o treinamento.


Referências bibliográficas
Aagaard P. Training-induced changes in neural function. Exerc Sport Sci Rev. 2003 Apr;31(2):61-7.
Elliott KJ, Sale C, Cable NT. Effects of resistance training and detraining on muscle strength and blood lipid profiles in postmenopausal women. Br J Sports Med. 2002 Oct;36(5):340-4.
Enoka RM. Neural adaptations with chronic physical activity. J Biomech. 1997 May;30(5):447-55.
Fatouros IG, Kambas A, Katrabasas I, Nikolaidis K, Chatzinikolaou A, Leontsini D, Taxildaris K. Strength training and detraining effects on muscular strength, anaerobic power, and mobility of inactive older men are intensity dependent. Br J Sports Med. 2005 Oct; 39(10):776-80.
Fleck SJ, Kraemer WJ. Fundamentos do treinamento de força muscular. Ed. ARTMED: Porto Alegre, 1999.
Graves JE, Pollock ML, Leggett SH, Braith RW, Carpenter DM, Bishop LE. Effects of reduced training frequency on muscular strength. Int J Sports Med 1988; 9:316-9.
Häkkinen A, Mälkiä E, Häkkinen K, Jäppinen I, Laitinen L, Hannonen P. Effects of detraining subsequent to strength training on neuromuscular function in patients with inflammatory arthritis. Br J Rheumatol. 1997 Oct;36(10):1075-81.
Häkkinen K, Alen M, Kallinen M, Newton RU, Kraemer WJ. Neuromuscular adaptation during prolonged strength training, detraining and re-strength-training in middle-aged and elderly people. Eur J Appl Physiol. 2000 Sep;83(1):51-62.
Häkkinen K, Komi PV.Electromyographic changes during strength training and detraining. Med Sci Sports Exerc. 1983;15(6):455-60.
Harris C, DeBeliso M, Adams KJ, Irmischer BS, Spitzer Gibson TA. Detraining in the older adult: effects of prior training intensity on strength retention Journal of Strength and Conditioning Research, 2007, 21(3), 813–818
Izquierdo M, Ibañez J, González-Badillo JJ, Ratamess NA, Kraemer WJ, Häkkinen K, Bonnabau H, Granados C, French DN, Gorostiaga EM.. Detraining and tapering effects on hormonal responses and strength performance. J Strength Cond Res. 2007 Aug;21(3):768-75.
Kalapotharakos V, Smilios I, Parlavatzas A, Tokmakidis SP. The effect of moderate resistance strength training and detraining on muscle strength and power in older men. J Geriatr Phys Ther. 2007;30(3):109-13.
Kraemer WJ, Fleck SJ, Evans WJ. Strength and power training: physiological mechanisms of adaptation. Exerc Sport Sci Rev. 1996;24:363-97.
Moritani T, deVries HA. Neural factors versus hypertrophy in the time course of muscle strength gain Am J Phys Med. 1979 Jun;58(3):115-30.
Mujika I.; Padilla, S. Muscular characteristics of detraining in humans. Med Sci Sports Exerc. 2001 Aug;33(8):1297-303.
Narici MV, Roi GS, Landoni L, Minetti AE, Cerretelli P. Changes in force, cross sectional area and neural activation during strengh training and detraining of the human quadriceps. Eur J Appl Physiol Occup Physiol. 1989;59(4):310-9.
Sforzo GA, McManis BG, Black D, Luniewski D, Scriber KC. Resilience to exercise detraining in healthy older adults. J Am Geriatr Soc. Mar;43(3):209-15, 1995.
SK Powers, AN Kavazis. Inactivity-induced skeletal muscle atrophy: a brief review Kavazis Rev Port Cien Desp, 2008, 8(2) 299–307
Thorstensson A. Observation on strength training and detraining. Acta Physiol Scand 1977;100:491-3.
Toraman NF. Short term and long term detraining: is there any difference between young-old and old people? Br J Sports Med. 2005 Aug;39(8):561-4.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Artigos recomendados